27 de maio de 2010 | 23h38 Ethevaldo Siqueira
Não há hoje no Brasil ministério mais esvaziado e sem poder do que o Ministério das Comunicações (MiniCom) deste final de governo. Em seu lugar, está de facto hoje a Nova Telebrás, comandada por Rogerio Santanna, o homem forte do governo nessa área, e que exerce, praticamente, o papel e as funções de ministro das Comunicações.
Faça um teste comigo, leitor. Qual é o nome do novo ministro das Comunicações? Apenas dois em cada 10 profissionais da área de telecomunicações aos quais fiz essa pergunta me responderam que é José Filardi – ou melhor, José Artur Filardi Leite. Ele era chefe de gabinete do ex-ministro Hélio Costa, de quem adquiriu a Rádio Sucesso, de Barbacena, Minas Gerais. No entanto, dentro do próprio MiniCom havia profissionais muito mais qualificados para chefiar esse ministério. Mas, como a pasta foi implodida, isso não faz nenhuma diferença.
Diante desse quadro, com todo o respeito, vamos chamar o presidente da Nova Telebrás de ministro Rogerio Santanna, até porque ele tem falado com a maior desenvoltura sobre qualquer tema do setor, desde o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) ao celular, à internet, à qualidade dos serviços, às tarifas e aos investimentos públicos e privados na área. Ele sabe tudo. Daqui a pouco ele passará a falar sobre Radiodifusão, TV3D, comunicação holográfica e outras áreas.
O importante é que o novo ministro é o homem forte da banda larga do governo federal. Nos últimos meses, com o apoio direto e explícito do presidente do Lula, dos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Santanna cresceu como pipoca na panela.
Antes de assumir a presidência da estatal, Santanna era secretário de Logística do Ministério do Planejamento de 2003 a 2010 mas, mesmo nesse cargo, se destacou como a pessoa que já lutava pela reativação da Telebrás.
Santanna implodiu o Ministério das Comunicações (MiniCom) e deixou seu ex-titular, Hélio Costa, falando sozinho ao longo da disputa pela liderança na elaboração do PNBL. Se me perguntarem qual dos dois estava com a razão, eu responderei que, em minha opinião, nenhum deles. Santanna é um petista brigador, ousado, radical, xenófobo e estatizante. Hélio Costa tem muito mais o perfil do político populista, à moda mineira, que estava no MiniCom apenas para fazer carreira.
Santanna quebrou todo o formalismo legal que havia nas Comunicações. Restringiu o debate do PNBL aos setores governistas ou petistas. Convenceu o governo a mudar a lei da Telebrás por decreto. Ignorou solenemente o fato de a Telebrás ser vinculada por lei ao MiniCom e atropelou o ministro Hélio Costa, contrário à reativação da estatal.
Aliás, a participação do Ministério das Comunicações na elaboração do PNBL foi praticamente reprovada e seu projeto de plano foi sepultado – embora tenha sido o único texto publicado sobre o tema antes do decreto. O documento tinha um pecado mortal: não recomendava a reativação da Telebrás e, pior, sugeria uma grande parceria entre o governo e as operadoras de telecomunicações, em frontal oposição ao pensamento do ministro Santanna.
Três concordâncias
O ministro Santanna fala muitas verdades. O Brasil inteiro concorda com pelo menos três pontos de seu discurso, a saber:
a) com sua crítica à banda larga no Brasil, pois ela é estreita, cara e escassa;
b) com a necessidade fundamental e urgente de maior oferta, melhor qualidade e menores preços para banda larga no Brasil;
c) com a necessidade urgente de se levar a banda larga às populações de menor renda e às regiões menos desenvolvidas do País.
A grande polêmica, no entanto, é com os caminhos propostos pelo novo ministro, a começar por sua preferência pelo solução estatal. Em segundo lugar, é muito difícil concordar com sua obsessão em transformar a Telebrás numa empresa operadora das telecomunicações da rede do governo federal e gestora do PNBL. Em terceiro, com sua facilidade extrema em fazer promessas de difícil cumprimento, como banda larga de boa qualidade a R$ 15 por mês (agora já reduzida para R$ 10). Em quarto, com sua idéia de “regular” o mercado, introduzindo uma competição que, a seu ver, determinará a queda dos preços, mesmo com a permanência da maior tributação sobre serviços de telecomunicações do mundo.
Promessas mil
Mais do que político em palanque, o ministro Santanna faz promessas delirantes sobre a capacidade futura da Telebrás. Alguns críticos bem-humorados dizem que a maior crueldade que poderemos fazer com o ministro Santanna num futuro próximo será cobrar dele o cumprimento dessas promessas.
Para este final de governo Lula e para a campanha da candidata Dilma Rousseff, no entanto, o mérito do ministro Santanna foi muito grande, ao mostrar ao PT e seus aliados o filão eleitoral que poderá ser um projeto ambicioso de banda larga, com promessas mirabolantes, sobre banda larga.
A banda larga foi uma descoberta providencial para o governo Lula na área de telecomunicações. Assim como Marta Suplicy decidiu prometer “acesso à internet em banda larga grátis para todos os paulistanos”, durante a campanha para a Prefeitura de São Paulo há dois anos, o ministro Santanna está prometendo coisas quase tão utópicas quanto a internet da líder petista.
Aliás essa tem sido a marca do governo Lula nas telecomunicações: nada fazer de sério durante longo tempo e só descobrir um filão eleitoral do setor às vésperas das eleições. Dos 8 anos de administração do presidente Lula, 7 anos se passaram sem o menor interesse ou prioridade pelas telecomunicações e sem uma agenda clara sobre banda larga. Apenas duas vozes eram ouvidas em alguns eventos setoriais em nome do governo federal: a de Rogerio Santanna, ainda no Ministério do Planejamento, e de Cezar Alvarez, assessor especial do presidente Lula para inclusão digital.
Tudo que se fez de 2003 a 2009 se resumiu ao projeto da TV digital, que mobilizou inicialmente os ministros anteriores – Miro Teixeira e Eunício Oliveira – e, por último, Hélio Costa, defensor explícito e apaixonado do padrão japonês ISDB. Ninguém pensou em banda larga e PNBL, nem formulou projetos de políticas públicas que cuidassem mais seriamente da própria qualidade dos serviços.
É claro que a grande discussão hoje no mundo é a importância da banda larga como um direito do cidadão e, portanto, sujeito a metas de universalização. Ora, nos contratos de concessão das operadoras brasileiras não há ainda nenhuma obrigatoriedade de atendimento da demanda de banda larga, nem de qualidade, nem de oferta abundante, nem de velocidade mínima, nem de preços acessíveis, nem, muito menos, de metas de universalização.
Ao longo de 7 anos, o governo Lula não moveu uma palha no tocante à banda larga. Não fez sua lição de casa. Não cumpriu seu papel nem formulou as políticas públicas capazes de mudar esse quadro. De repente, o ministro Santanna – passando por cima do ministro das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) — resolveu deflagrar uma verdadeira guerra contra as operadoras. Aliás, uma guerra típica de quem quer mudar o modelo, porque bateu sempre na tecla de que a privatização fracassou e que o mercado não resolve todos os problemas.
É o óbvio: o mercado nada faz por si só – se não é forçado pela lei ou por políticas públicas a atender aos objetivos sociais e aos programas de inclusão digital. Pior ainda quando o governo é omisso, frouxo, passivo, preguiçoso, despreparado e incapaz até de fiscalizar o setor privatizado e punir os abusos.
Estadão -> http://bit.ly/adkSRT
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